domingo, 24 de setembro de 2017

Partido Alto

Samba do partido-alto, partido-alto ou simplesmente partido, é um estilo de samba, surgido no início do século XX dentro do processo de modernização do samba urbano do Rio de Janeiro. Tem suas origens nas umbigadas africanas e é a forma de samba que mais se aproxima da origem do batuque angolano, do Congo e regiões próximas. Apesar de ser um dos subgêneros de samba mais tradicionais, não existe um consenso entre praticantes e estudiosos, menos ou mais eruditos, para definir o que seria essa derivação do samba, muito também pelas mudanças pelo qual ele passou de sua origem até os dias atuais.

Em linhas gerais, o partido-alto do passado seria uma espécie de samba instrumental e ocasionalmente vocal (feito para dançar e cantar), constante de uma parte solada, chamada "chula" (que dava a ele também o nome de samba raiado ou chula-raiada), e de um refrão (que o diferenciava do samba corrido).
 Já o partido-alto moderno seria uma espécie de samba cantado em forma de desafio por dois ou mais contendores e que se compõe de uma parte de coral (refrão ou "primeira") e uma parte solada com versos improvisados ou do repertório tradicional, os quais podem ou não se referir ao assunto do refrão.
 Atualmente, costuma ser acompanhado violão, cavaquinho, pandeiro, surdo, agogô e outros instrumentos de percussão.
 Sob essa rubrica se incluem, hoje, várias formas de sambas rurais, as antigas chulas, os antigos sambas corridos (aos quais se acrescenta o solo), os refrões de pernada (batucada ou samba duro), bem como os chamados "partidos cortados", em que a parte solada é uma quadra e o refrão é intercalado (raiado) entre cada verso dela. Entretanto, transcedendo qualquer aspecto formal, partido-alto é, sobretudo, o samba da "elite dos sambistas", bem-humorado, encantador e espontâneo.

De acordo com a Enciclopédia da Música Brasileira, "samba de partido-alto é um gênero do samba surgido no início do século XX conciliando formas antigas (o partido-alto baiano, por exemplo) e modernas do samba-sança-batuque, desde os versos improvisados à tendência de estruturação em forma fixa de canção, e que era cultivado inicialmente apenas por velhos conhecedores dos segredos do samba-dança mais antigo, o que explica o próprio nome do partido-alto (equivalente da expressão moderna "alto-gabarito").
Inicialmente caracterizado por longas estrofes ou estâncias de seis e mais versos, apoiados em refrões curtos, o samba de partido-alto ressurge a partir da década de 1940, cultivado pelos moradores dos morros cariocas, mas já agora não incluindo necessariamente a roda de dança e reduzido à improvisação individual, pelos participantes, de quadras cantadas a intervalos de estribilhos geralmente conhecido de todos".

O partido-alto da década de 1970 sofreria outras modificações até servir de combustível para o movimento conhecido por pagode de raiz, movido a banjo e tantã.
 Antes, pagode era o nome dado no Brasil, pelo menos desde o século XIX, a habituais reuniões festivas, regadas a música, comida e bebida. E nos pagodes, a música tocada era o samba, especialmente a vertente partido-alto.
Mas com o passar do tempo, estes encontros ganharam outra feição. No início da década de 1980, os pagodes eram febre no Rio de Janeiro e o termo logo compreenderia um novo estilo de samba, rapidamente transformado em produto comercial pela indústria fonográfica. E, neste processo, o estilo pagode se distanciou do partido-alto, samba caracterizado por elaboração, elegância e refinamento.
 O samba de partido-alto no século XXI é uma vasta gama de sambas apoiados em um estribilho e com segunda, terceira e quarta partes soladas, desenvolvendo o tema proposto na letra. O estilo de partido-alto com versos realmente improvisados vem caindo em desuso, não só pela diminuição de rodas de samba, como pela facilidade de repetir versos pré-elaborados, gravados e difundidos via álbuns, rádio, televisão, entre outros.
 Não obstante, a tradição se mantém com alguns sambistas absorvidos pela indústria fonográfica, como Zeca Pagodinho, Dudu Nobre e Arlindo Cruz, ou por compositores como Nei Lopes, que constroem sambas a partir de um solo em forma de chamada e resposta e remetendo, na letra, ao tema proposto no refrão ou na "primeira".
O que hoje se conhece como partido-alto é uma modalidade de cantoria. E cantoria é a arte de criar versos, em geral de improviso, e cantá-los sobre uma linha melódica preexistente ou também improvisada, praticada, em diversas modalidades, por poetas cantadores populares, em todo o Brasil. Improvisação repentina,muito tocado e aplaudido em bares e botecos, cantada em feitio de contenda, numa espécie de duelo verbal, como outras modalidades de cantoria, o partido-alto tem a distingui-lo a circunstância de que se realiza e completa na roda do samba, e sempre de forma bem-humorada e brincalhona.
Menos complexo e rico, por exemplo, que o amplo leque de variações da cantoria nordestina, de regras absolutamente rígidas, porém mais diversificado que outras expressões semelhantes, o partido-alto sempre foi visto, sem contestação, como um samba de estatuto superior, apanágio dos sambistas não só mais inspirados como mentalmente mais ágeis.
O que distingue, pois, o "partideiro" (neologismo que, na década de 1960, substitui, segundo Jota Efegê, os correspondentes "versador" e "tirador") do mero sambista, compositor ou cantor é, como percebeu o etnomusicólogo Alejandro Ulloa, a competência, a capacidade e o saber intuitivos para "improvisar em verso, seguido a melodia e acompanhado o ritmo". E o gradativo desaparecimento, no seio do samba, desse tipo de maestria dever-se-ia, segundo Ulloa, à ação do moderno capitalismo, o qual promove a extinção da produção cultural tradicional e o silêncio de seus atores para, em lugar deles, formar consumidores para os produtos da cultura industrialmente massificada.

A expressão "partido-alto", vamos ver que sua exata conceituação ainda hoje é objeto de controvérsias. Entretanto, o estabelecimento da linguagem desse importante subgênero musical do samba pode nos trazer alguma luz. Inicialmente, que o canto solista improvisado sobre uma base coral não é um traço exclusivo de culturas africanas. O extremamente elaborado repente do Nordeste brasileiro, por exemplo - e até mesmo por não se apoiar em base coral -, tem origem claramente ibérica, da mesma forma que a paya hispano-americana e até mesmo o punto cubano.

Mas, já no século XIX, observadores portugueses chamavam a atenção para esse traço nas canções do batuque angolano. Estabelecendo a linhagem descendente do partido-alto, desde os batuques dos povos bantos de Angola e do Congo, viria: primeiro, o lundu bailado, dando origem ao lundu puramente canção dos salões imperiais, aos sambas rurais da Bahia e de São Paulo, a um lundu campestre ainda dançado, e a outras manifestações; depois, todas essas expressões (como a chula do samba baiano ganhando status de manifestação autônoma) confluindo para o que chamaremos de samba da "Pequena África da Praça Onze", onde o núcleo irradiador foram as festas da comunidade baiana; depois ainda, o samba amaxixado da "Pequena África", dando origem ao samba de morro; e, finalmente, esse samba de morro se dicotomizando em samba urbano (a partir do bairro do Estácio), próprio para ser dançado e cantado em cortejo, e em partido-alto, próprio para ser cantado e dançado em roda.

Nas festas ou nos pagodes da comunidade baiana, a diversão era quase sempre distribuída espacialmente: na sala tocava o "choro", o conjunto musical à base de flauta, cavaquinho e violão; no fundo, fluía o samba, batido na palma da mão, no pandeiro, no prato-e-faca. recebendo interpretação instrumental, então, tocado nas salas - visto assim como um samba de mais status - é que o estilo recebia, entre os antigos, a denominação de "Samba-de-partido-alto", ou seja, para os antigos, "o verdadeiro partido-alto não era cantado. Era só no ritmo mesmo do samba".

A denominação "samba de (ou do) partido-alto" nasceu para intitular o samba praticado por um "partido - união de homens que participem das mesmas idéias", conforme o Dicionário de Sinônimos, de Antenor Nascentes -, que se presume alto, de elite. Mas a denominação e sua origem são muito controvertidas. João da Baiana, por exemplo(…) dizia que "o samba de partido-alto, o samba raiado. É a mesma coisa. Pode-se dar o nome de samba raiado ou samba de partido-alto." Contemporâneo de João Baiana, Oscar José Luís de Moraes, o Caninha, declarava em 1932, segundo Jota Efegê, em Figuras e coisas da música popular brasileira, que "partido-alto" não significava samba de elite, samba de alta categoria, parece-nos, de forma ambígua, que essa era uma denominação baiana para o que aqui se chamava "chula".

Aniceto do Império classificava o partido-alto de hoje como "samba menor", não sabendo exatamente a razão dessa classificação, a qual, se não envolvia nenhum juízo de valor, pelo menos apontava para uma deformação em relação às matrizes jongueiras, se onde ele acreditava ter a modalidade se originado. Edison Carneiro diz que partido-alto é "o samba cantado e dançado à moda antiga", que consiste num estribilho tradicional sobre o qual o cantador versa ou improvisa.
Câmara Cascudo diz apenas tratar-se de uma espécie de samba, "um estribilho com quadras repetidas ou improvisadas dos sambas cariocas". José & Araújo escrevem que é uma forma de samba que tem como características uma estrofe-base ou estribilho que dá o tema e é levada em coro por todos e por cima da qual surgem outras, improvisadas ad infinitum.

Referem esses autores, ainda, a existência de duas formas básicas de partido-alto: o "partido-alto em linha", em que a improvisação se baseia no estribilho, "obedecendo ao espírito que gerou o partido"; e o "partido-alto avulso", onde a improvisação não precisa subordinar à ideia exposta no estribilho. Candeia & Isnard também conceituam o partido-alto como "um tipo de samba em que o refrão se repete e os versos que se seguem devem obedecer ao meso tema proposto".

Lygia Santos, filha de Donga, diz que partido-alto do tempo do seu pai, era, segundo ele, um samba "pastoso" em oposição ao "samba ligeiro (normal)" e ao "samba corrido (excepcional)". Ralph Waddey, por sua vez, escreve que "samba de viola, samba de chula, samba de parada, samba de partido-alto, samba santo-amarense, samba amarrado, todos se referem a um mesmo fenômeno: variam as denominação conforme diferentes aspectos que apresenta". "Na realidade - diz ele - é o texto, a 'chula' que formalmente dissocia de outros tipos de samba".

No texto de contracapa do LP Clementina de Jesus, de 1966, Hermínio Bello de Carvalho define o partido-alto como um "refrão (geralmente curto) seguido de um improviso que se faz toando a rima com o último verso de refrão", conceituando que, segundo ele próprio, não contava com a aprovação do compositor Ismael Silva, que via aí uma definição mais de "batucada" do que de "partido-alto".

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