segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Mano Décio da Viola

Décio Antônio Carlos (Santo Amaro da Purificação BA 1909 - Rio de Janeiro RJ 1984). Cantor e compositor. Com menos de 1 ano de idade, muda- se com a família para Juiz de Fora, Minas Gerais, onde é registrado, e pouco depois vai para o Rio de Janeiro, para morar no Morro de Santo Antonio, no Largo da Carioca. Em 1916, muda-se para o Morro da Mangueira e, em 1922, vai para a Rua Tuíba no Morro da Serrinha, e lá desfila no Bloco Vai Como Pode, que dá origem à Portela. Trabalha como jornaleiro no Largo da Carioca e ingressa na Escola de Samba Recreio de Ramos, presidida por seu patrão, Norberto Marçal, o "Mango".
Em 1934, volta a residir na Serrinha e ingressa na Escola de Samba Prazer da Serrinha, quando recebe o apelido "Mano Décio da Viola", por conta de seu instrumento, o cavaquinho. Nesse mesmo ano sofre um acidente de trabalho, descarregando latas de creolina no cais do porto, e fica cego de um olho. Sobre essa experiência compõe o samba Cego e Surdo. No ano seguinte, leva o então professor de português de um colégio de subúrbio, Silas de Oliveira, para a escola da Serrinha, onde ambos ficam até 1947, quando saem após um desentendimento e fundam, com outros sambistas, a Escola de Samba Império Serrano. Entre eles estão Mestre Fuleiro, Antenor, Molequinho, Comprido Zé Luiz, Fumaça, Manula, Mano Elói, Aniceto, João Gradim e Daniel Perna.
Nos três primeiros anos da Império Serrano, de 1948 a 1950, compõe os sambas-enredos Antônio Castro Alves (1948), Exaltação a Tiradentes (1949) e Batalha Naval do Riachuelo (1950), ganhando um tricampeonato. Esses sambas-enredos são realizados com parceria de Penteado, Estanislau Silva, Molequinho e Silas de Oliveira. Ainda cria mais oito sambas-enredos para a escola de Madureira, com destaque para Heróis da Liberdade (1969), em parceria com Silas de Oliveira e Manuel Ferreira. A escola se sagra ainda mais duas vezes campeã com seus sambas-enredos Exaltação a Duque de Caxias (1955) e Medalhas e Brasões (1960). Além de colaborar com a Império Serrano, compõe, principalmente na década de 1970, vários sambas-enredos para escolas de samba da cidade de Santos, São Paulo.
Além da atuação como compositor nas escolas de samba, seu lado mais conhecido, como na regravação de Elis Regina de Exaltação a Tiradentes, em 1971, e Jair Rodrigues, no mesmo ano, com Heróis da Liberdade, Mano Décio é autor de sambas de terreiro e partidos-altos, com mais de 500 sambas, a grande maioria não registrada. Como intérprete, estreia pela Tapecar em 1974 com o disco Capítulo Maior da História do Samba. Em 1976, pela Polydor, grava o Legendário Mano Décio da Viola e, em 1978, sai o disco O Imperador. Lança, pela CBS, os LPs Mano Décio (1979) e Mano Décio Apresenta Velha Guarda do Império (1980).
Mano Décio morre em 1984, e seu filho Jorginho do Império é o responsável pela divulgação de sua obra, como na ocasião do centenário de nascimento, em 2009, com o lançamento do CD duplo De Pai pra Filho, pela gravadora Lumiar.

Comentário Crítico
Mano Décio da Viola é um dos formatadores do samba-enredo como um gênero dentro do samba. Até a década de 1940, as escolas de samba participam dos desfiles com várias músicas, que não necessariamente dialogam com a parte visual encenada na avenida. A partir de 1943, muda o regulamento dos desfiles, que passam a ser sobre temas e fatos nacionais. E a parte musical (o samba) deve obrigatoriamente dialogar com o enredo. Nos dois anos seguintes são temáticos, com as escolas versando sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra. Com isso, os sambas produzidos para os desfiles das escolas começam a se diferenciar dos outros, e passam a ser identificados como um gênero, com a letra ilustrando o enredo que está sendo levado para avenida.
Os primeiros sambas-enredos de cunho histórico de Mano Décio são feitos para a escola de Samba Prazer da Serrinha, como a Paz Universal (1946), celebrando o fim da guerra. Nesse gênero de samba que se populariza nas décadas de 1950 e 1960, o tom lírico, emocional ou jocoso típico do Carnaval é deixado de lado e as canções passam a entoar um canto narrativo, em alguns casos até épico. Mano Décio, em seus sambas-enredos, se utiliza de estrofes longas, com mais de 12 versos, permitindo que algumas composições tenham mais de 30 versos, usando um vocabulário sofisticado, como em Heróis da Liberdade (1969), um dos sambas-enredos mais lembrados até hoje, destacando a luta dos negros para alcançar a liberdade, e sendo prontamente associada à luta contra a ditadura militar, pois nesse ano ocorre o primeiro desfile sob a imposição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), voltando a instituir a censura prévia nos sambas-enredos. Nesse samba a palavra "revolução" é trocada por "evolução" por ordem da censura. Mano Décio utiliza algumas referências dos Hinos da Independência e da Proclamação da República para reforçar a ideia de liberdade: "Já raiou a liberdade / A liberdade já raiou / Essa brisa que a juventude afaga / Esta chama que o ódio não apaga / Pelo universo é a evolução em sua legítima razão". Depois da exaltação, na maioria das vezes ufanista de personagens históricos, Mano Décio faz uma homenagem à cidade do Rio de Janeiro no desfile 1962, com o samba Rio dos Vice-Reis, em parceria com Aidno Sá e Davi do Pandeiro.
Além de compor sambas-enredos e sambas de exaltação para a escola Império Serrano, como Império Querido e Ser Império Como Eu Sou, ambos de seu disco O Imperador, de 1978, Mano Décio tem uma carreira consolidada em mais de cinco décadas como compositor de samba de terreiro, partido-alto, samba-canção, entre outras vertentes do gênero, com sambas líricos como Amor Aventureiro (1978), parceria com Silas de Oliveira, regravado por Roberto Ribeiro e por seu filho Jorginho do Império. Outra parceria com Silas de Oliveira é a canção Apoteose do Samba, gravada por Jamelão, em 1957, João Nogueira, em 1977, Paulinho da Viola, em 1978, e Djavan, em 2010.
Seu primeiro trabalho gravado é de 1935, Vem Meu Amor, na voz de Almirante, realizado sobre a melodia da valsa Os Patinadores, de Emile Waldteufel, que Mano escuta em um filme. Mas, como é comum entre os compositores pobres ligados às escolas de samba do Rio de Janeiro da primeira metade do século XX, como Nelson Cavaquinho e Cartola, de quem é amigo, Mano Décio vende boa parte de suas composições ou divide a parceria com algum amigo que pagasse, por isso parte de sua obra se perde ou é gravada sem os devidos créditos. No caso desse samba, que é vendido para um amigo chamado Baúza e repassado para Bide e João de Barro, o Braguinha, seu nome é grafado no selo como Delson Carlos.
Como cantor, registra sua voz em quatro LPs, registrados na última década de vida, esses álbuns têm grande preocupação com os arranjos e coros femininos feitos para o conforto vocal de Mano Décio, que, apesar de não possuir uma voz potente, se destaca pela interpretação marcada das rimas de suas próprias canções.

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